segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

A CASTRAÇÃO DE URANO - CAPÍTULO 2



                  Comecemos  pelo  Céu, isto  é,  Urano,  gerado  por Gaia  e  do mesmo  tamanho  que  ela. Ele está  deitado, estendido sobre  quem a gerou.  O Céu  cobre completamente  a  Terra. Cada  porção  de  terra  é duplicada  por  um pedaço  de  céu  que lhe  corresponde  perfeitamente. Quando  Gaia, divindade  poderosa,  Mãe-Terra, produz  Urano, que é seu  correspondente  exato,  sua duplicação,  seu  duplo simétrico,  nos  encontramos  em  presença  de  um  casal de  contrários,  de  um macho  e  uma fêmea.  Urano  é o  Céu,  assim  como Gaia  é  a  Terra. Na presença  de Urano,  Amor  age  de  outro modo. Nem Gaia  nem Urano  produzem  sozinhos  o  que cada  um  tem dentro  de  si, mas  da conjunção  dessas  duas forças nascem seres diferentes  de uma  e outra.
Urano  está  o  tempo  todo se deitando sobre  Gaia. Urano primordial não  tem  outra  atividade além  da  sexual.  Cobrir  Gala  incessantemente,  o mais possível:  ele  só pensa nisso,  e  só  faz  isso.  Então, essa  pobre Terra acaba grávida de  uma  série  de  filhos que  não conseguem  sair  de seu  ventre  e  aí  continuam  alojados, aí  mesmo  ond
e Urano  os  concebeu.  Como Céu  nunca  se distancia  de  Terra,  não  há espaço  entre  eles  que  permita  aos  seus filhos  Titãs  virem  a  luz  e terem  uma  existência  autónoma.  Estes não  podem tomar  a  forma que  é  a  deles,  não  podem  se  transformar  em seres  individualizados, pois  não  conseguem  sair  do  ventre  de  Gaia,  ali  onde  o próprio Urano  esteve antes  de nascer.
O primeiro trio - Ciclopes
O segundo trio - Os cem braços
Quem  são  os  filhos  de  Gaia  e  Urano? Primeiro,  há  os  seis  Titãs e  suas  seis  irmãs,  as Titânidas.  O primeiro  Titã  chama-se  Okeanós. É esse  cinturão  líquido  que  rodeia  o  universo  e  corre  em  círculo,  de tal  modo  que  o  fim  de Oceano  é  também  seu  começo;  o  rio  cósmico corre em circuito fechado sobre  si  mesmo.  O  mais jovem  Titã tem  o  nome de  Krónos,  é  o  chamado  “Crono  dos pensamentos marotos”.  Além  dos Titãs  e  das  Titânidas,  nascem  dois  trios  de seres absolutamente  monstruosos.  O  primeiro  é  o  dos  Ciclopes  -  Brontes, Estéropes  e  Argeus  -,  personagens  muito  poderosos  que têm um  só  olho  e  cujos  nomes  são  reveladores  do tipo  de  metalurgia a que  se  dedicam:  o  ronco  do  trovão,  o  fulgor do  relâmpago. Na  verdade,  eles  é  que vão  fabricar  o  raio  que  será  doado  a  Zeus.  O  segundo  trio  é  formado  pelos  Hekatonkhîres, ou Cem-Braços - Coto, Briareu e Gies.  São seres  monstruosos  de  tamanho  gigantesco,  que têm  cinquenta  cabeças  e  cem  braços,  sendo cada  braço  dotado  de uma força  terrível.
Ao lado  dos  Titãs,  esses  primeiros  deuses  individualizados  -ao  contrário  de  Gaia, Urano ou  Ponto,  eles  não  são apenas  um nome dado a  forças  naturais  -,  os  Ciclopes  representam  a  fulgurância  da  visão. Possuem  um  só  olho  no  meio  da testa, mas  esse olho  é  fulminante,  assim  como  a  arma  que  vão  oferecer  a  Zeus. Força mágica do olho.  Por  sua vez,  os Cem-Braços  representam, com sua força  brutal,  a  capacidade  de vencer, de  triunfar  pela  força física do braço. Para  uns,  força  de  um olho  fulminante;  para  outros, força da  mão  que  é  capaz  de  juntar,  apertar, quebrar, vencer,  dominar  todas  as  criaturas  no  mundo. No  entanto,  Titãs, Cem-Braços  e Ciclopes  estão  no  ventre  de  Gaia; Urano  está  deitado sobre  ela.
 Ainda  não  há  propriamente luz, pois  Urano,  ao  se  deitar  sobre Gaia,  mantém  uma  noite contínua. Então, Terra  explode  de  raiva. Está furiosa  por  reter  em  seu seio  esses  filhos que,  sem  poderem sair,  deixam-na inchada,  comprimem-na, sufocam-na.  Dirige-se  a eles,  em especial aos  Titãs,  dizendo-lhes:  “Escutai,  vosso pai nos  faz injúria,  nos  submete  a  violências horríveis,  isso tem  de  acabar”. Deveis revoltar-vos  contra vosso pai Céu:  Ao ouvir  essas  palavras vigorosas,  os  Titãs, no  ventre  de  Gaia ficam aterrorizados.  Urano, que continua  instalado  sobre  a  mãe  deles,  tão grande quanto  ela, não  lhes  parece fácil de  ser  vencido.  Só  o caçula,  Crono,  aceita  ajudar  Gaia  e  enfrentar  o pai.
Terra concebe  um plano particularmente  engenhoso. Para executa-lo, fabrica dentro  de  si  mesma um  instrumento,  um tipo de foice, a  harpe,  em metal  branco.  Depois,  coloca  essa  foice  na  mão  do jovem  Crono.  Ele  está  no  ventre  da mãe, ali onde  Urano  se  uniu  a Terra,  e  fica  à  espreita,  em  emboscada.  Quando Urano  se  deita sobre Gaia,  ele  agarra  com  a  mão esquerda  as  partes  sexuais  do  pai, segura-as  firmemente  e,  com  a  foice  que  brande  na  mão direita, corta-as.  Depois,  sem  se  virar, para  evitar  a  desgraça que  seu  gesto teria  provocado, joga por  cima do  ombro  o membro  viril  de  Urano.
Desse  membro  viril,  cortado  e  jogado  para  trás, caem sobre  a  terra Gotas  de sangue, ao passo que  o  próprio  sexo é  atirado  mais longe, nas  ondas do mar.  No  momento  em  que  é  castrado,  Urano  dá  um berro  de  dor  e  se afasta depressa  de  Gaia.  Vai  então  se  instalar  bem no alto  do  mundo,  de  onde não mais sairá.  Como Urano tinha  o mesmo tamanho  de  Gaia,  não  há  um  só  lote de terra que não encontre  lá em  cima  um pedaço equivalente de céu.

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