terça-feira, 2 de dezembro de 2014

A TERRA, O ESPAÇO, O CÉU - CAPÍTULO 3

Gaia se liberta de Urano



Ao castrar Urano, a conselho e graças à astúcia de sua mãe, Crono cumpre uma etapa fundamental no nascimento do cosmo. Separa o céu e a terra. Cria entre o céu e a terra um espaço livre: tudo o que a terra produza. tudo o que os seres vivos engendrarem, terá espaço para respirar, para viver. Assim, o espaço se desbloqueia, mas o tempo também se transforma. Enquanto Urano pesava sobre Gala, não havia gerações sucessivas, pois elas ficavam ocultas dentro da criatura que as produzira. Quando Urano se retira, os Titãs podem sair do colo materno e, por sua vez, darem à luz. Inicia-se então uma sucessão de gerações. O espaço se libera e o "céu estrelado" tem agora o papel de um teto, de uma espécie de grande abóbada escura, estendida acima da terra. De vez em quando, esse céu preto vai se iluminar, pois agora o dia e a noite se alternam. Ora surge um céu preto tendo apenas a luz das estrelas, ora, ao contrário, é um céu luminoso que aparece, tendo apenas a sombra das nuvens. 

Deixemos por um instante a descendência de Terra e encontremos a de Caos. O Abismo produz dois filhos, um se chama Érebos, Érebo, o outro, Nýx, Noite. Como prolongamento direto de Caos, Érebo é o negro absoluto, a força do negro em estado puro, sem se misturar a nada. O caso de Noite é diferente. Assim como Gaia, ela também gera filhos sem se unir a ninguém, como se os fizesse em seu próprio tecido noturno: trata-se de Aithér, Éter, Luz Etérea, e de Hemére, Dia, Luz do Dia.
Érebo, filho do Caos, representa o negro próprio dessa criatura. Inversamente, Noite invoca o dia. Não há noite sem dia. Quando Noite produz Éter e Dia, o que faz ela? Assim como Érebo era o escuro em estado puro, Éter é a luminosidade em estado puro. Éter é a contrapartida de Érebo. O Éter brilhante é a parte do céu onde nunca há escuridão, ou seja, a que pertence aos deuses do Olimpo. O Éter é uma luz extraordinariamente viva que nunca é alterada por sombra alguma. Ao contrário, Noite e Dia se apoiam mutuamente, opondo-se. Desde que o espaço se abriu, Noite e Dia se sucedem regularmente. À entrada do Tártaro encontram-se as portas da Noite que se abrem para a sua morada. É ali que Noite e Dia se apresentam sucessivamente, se comunicam, se cruzam, sem jamais se juntarem nem se tocarem. Quando há noite não há dia, quando há dia não há noite, mas não há noite sem dia.
Assim como Érebo representa uma escuridão total e defnitiva, Éter encarna a luminosidade absoluta. Todos os seres que vivem na terra são criaturas do dia e da noite; com exceção da morte, eles ignoram essa escuridão total que nenhum raio de sol jamais alcança e que é a noite do Érebo. Os homens, os bichos, as plantas vivem noite e dia nessa conjunção de opostos, ao passo que os deuses, bem no alto do céu, não conhecem a alternância do dia e da noite. Vivem numa luz profunda e permanente. No alto, temos os deuses celestes no Éter brilhante, embaixo os deuses terrâneos ou os que foram derrotados e enviados ao Tártaro, e que vivem numa noite constante; e depois, os mortais, neste mundo, que já é um mundo de mistura.
Voltemos a Urano. O que acontece quando ele se fixa no alto do mundo? Não se une mais a Gaia, a não ser durante as grandes chuvas fecundantes, quando o céu se solta e a terra dá à luz. Essa chuva benfazeja permite que nasçam na terra novas criaturas, novas plantas, cereais. Mas, fora esse período, está cortado o vínculo entre o céu e a terra.
Quando Urano se afastou de Gaia, lançou uma terrível imprecação contra seus filhos: "Ireis chamar-vos Titãs", disse-lhes, fazendo um trocadilho com o verbo titaíno, "porque estendestes os braços alto demais, ireis expiar o crime de ter levantado a mão para vosso pai". As gotas de sangue de seu membro viril mutilado que caíram no chão deram origem, algum tempo depois, às Erínias. São elas as forças primordiais cuja função essencial é guardar a recordação da afronta feita por um parente a outro, e de fazê-lo pagar, seja qual for o tempo necessário para isso. São as divindades da vingança pelos crimes cometidos contra os consangüíneos. As Erínias representam o ódio, a recordação, a memória do erro, e a exigência de que o crime seja castigado.
Ninfa
As Erínias
Ciclope
Do sangue da ferida de Urano nascem, junto com as Erínias, os Gigantes e as Melíai, ou Ninfas, dessas grandes árvores que são os freixos. Os Gigantes são essencialmente guerreiros, personificam a violência bélica: desconhecendo a infância e a velhice, são eles, a vida inteira, adultos na força da idade, dedicados à luta, com gosto pela batalha mortal. As Ninfas dos Freixos -- as Meliádas -- também são guerreiras, e também têm vocação para o massacre, pois o bosque de lanças das quais se servem os guerreiros durante o combate é justamente o das árvores onde elas habitam. Assim sendo, das gotas do sangue de Urano nascem três tipos de personagens que encarnam a violência, o castigo, o combate, a guerra, o massacre. Um nome resume aos olhos dos gregos essa violência: é Éris, conflitos de todos os tipos e de todas as formas, ou discórdia dentro de uma mesma família, no caso das Erínias.

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